A função do Poder Judiciário é fazer justiça, e não assegurar a arrecadação, principalmente quando a qualidade do crédito exigido é contestável.”
(Ives Gandra da Silva Martins,in Gazeta Mercantil, 30/4/2008, página A-12)
Muitos contribuintes são autuados pela Receita Federal com base em movimentação bancária considerada acima dos seus rendimentos declarados. Sobre a diferença entre o movimentado e o declarado, o auditor lavra auto de infração a exigir o imposto e mais multa de 75% e juros, onde ocorrem valores expressivos.
Muitas vezes a movimentação representa valores que pertencem a terceiros. Exemplos: um advogado recebe em seu nome valores pertencentes ao cliente, a quem deve prestar contas, retendo pequena parte, a representar honorários ou reembolso de despesas. Isso ocorre também com a cobrança de dívidas dos que se tornam inadimplentes, em situações que não passam pelo Judiciário, como é o caso de cobradores autônomos que pessoalmente realizam a cobrança junto ao devedor.
Ao cobrar valores que apenas transitaram pela conta bancária do contribuinte, o lançamento usa a presunção de incidência do imposto, ignorando as normas que definem o fato gerador do imposto.
Ora, o artigo 43 do Código Tributário Nacional é muito claro:
“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.”
Se o contribuinte não teve disponibilidade quer econômica ou jurídica dos valores que passaram temporariamente por sua conta, se deles não poderia dar outro destino que não fosse a entrega a seu titular de fato e de direito, claro está que não foi beneficiário dos rendimentos tributáveis no valor lançado pelo Fisco.
Ao receber o auto de infração, abre-se oportunidade para impugnar o lançamento na esfera administrativa. O julgamento compete às Delegacias Regionais de Julgamento e depois ao Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), decisões que em sua quase totalidade favorecem o Fisco.
O contribuinte pode ter meios de provar que recebeu apenas pequena parte dos valores: documentos do real beneficiário, ação de prestação de contas, contratos específicos etc.
A simples presunção de rendimentos não dá fundamento legal à autuação. Presunção absoluta nesses casos não existe.
Todavia, a jurisprudência tanto administrativa quanto judicial é mansa e pacífica no sentido de que não se admite auto de infração baseado apenas em presunção, como se vê dos seguintes julgados, dentre inúmeros outros:
“Indício ou presunção não podem por si só caracterizar o crédito tributário.” ( 2º Conselho de Contribuintes do Min. da Fazenda, acórdão 51.841,in “Revista Fiscal” de 1970 , decisão nº 69).
“Para efeitos legais não se admite como débito fiscal o apurado por simples dedução.” (idem, acórdão 50.527,Diário Oficial da União de 11.7.69, secção IV).
“Provas somente indiciárias não são base suficiente para a tributação…” (Primeiro Conselho de Contribuintes, 1ª Câmara, Acórdão 68.574).
“Processo Fiscal – Não pode ser instaurado com base em mera presunção. Segurança concedida.” (Tribunal Federal de Recursos, 2ª Turma, Agravo em Mandado de Segurança nº 65.941 in “Resenha Tributária” nº 8)
“Qualquer lançamento ou multa, com fundamento apenas em dúvida ou suspeição é nulo, pois não se pode presumir a fraude que, necessariamente, deverá ser demonstrada” (Tribunal Federal de Recursos, Apelação Civil nº 24.955 em Diário da Justiça da União,9/5/69).
Impugnações e recursos administrativos são úteis e necessários. Primeiro pela inexistência de custas nessa fase. Lamentavelmente, a maior parte das decisões de primeira instância são desfavoráveis ao contribuinte e, na segunda instância (Carf) são muito demoradas. Nesse espaço de tempo entre a impugnação e a decisão final fica prejudicada a pessoa física que depender de uma certidão negativa de tributos, exigida em operações de crédito ou negócios imobiliários.
Quando o julgamento administrativo demora mais de um ano entre a data da impugnação e o julgamento final, pode ocorrer a prescrição intercorrente.
A Lei 11.457, de 16 de março de 2007, que trata da Administração Tributária Federal e a consolida até essa data, em seu artigo 24 ordena:
“Art. 24 – É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte”.
Em determinado processo administrativo a decisão do Carf só ocorreu mais de sete anos após a data da impugnação. Foram ignoradas a Lei 11.457/2007 e a Constituição Federal. Afinal, ocorreu, sem dúvida, a prescrição intercorrente.
Conforme o artigo 5º inciso LXXVIII da Constituição Federal, dentre as garantias individuais conferidas aos brasileiros e relacionadas com sua segurança e o seu direito de propriedade, encontra-se a que obriga a observância da duração razoável do processo:
“LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
A administração tributária não pode ignorar tais normas e manter por tempo indeterminado pendências sob seu julgamento. Trata-se de omissão vergonhosa, similar à de pessoas que permanecem presas, ultrapassado o tempo da condenação. Tal fato implica em desrespeito à Constituição e à lei e exige resposta do Judiciário. Sem isso não há Justiça Tributária!