STJ e nova hipótese de responsabilidade tributária de administradores

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Date 20 de junho de 2022

STJ e nova hipótese de responsabilidade tributária de administradores

O objetivo deste breve artigo é analisar o recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acerca do Tema 981. E, para tanto, é necessário relembrar: todo problema complexo tem uma solução simples, mas que tende a estar completamente errada. O problema: o que fazer quando uma empresa, devedora de créditos tributários, não é localizada no endereço em que cadastrada junto aos órgãos fiscais? Como assegurar a cobrança da dívida?

Desde 2010, o STJ apresenta uma resposta simples por meio da Súmula 435: será presumida a dissolução irregular da empresa que deixe de funcionar em seu domicílio fiscal sem a comunicação aos órgãos competentes. Se a Súmula acabasse aí, teríamos uma resposta que é apenas simples. Afinal, é razoável a intimação de administradores para que comprovem que o crédito tributário inadimplido não guarda relação com fatos que pudessem ensejar responsabilização pessoal.

Porém, a Súmula 435 vai além e apresenta um consequente para essa presunção, o que tornou a resposta simples e errada. Uma vez presumida a dissolução irregular, há o redirecionamento automático da cobrança para o sócio-gerente. E, aqui, a simplicidade é deletéria: uma vez envolvido na execução fiscal, a defesa do sócio-gerente dependerá, como regra, da apresentação de garantias, que, em regra, tem alto custo.

Seria possível escrever muitas linhas sobre a Súmula 435 e sua formação, mas esse não é o objetivo deste artigo, que, como mencionado, pretende tratar da recente decisão do STJ no Tema 981. Para isso, é suficiente dizer que o fundamento legal por detrás dessa Súmula é o artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional (CTN). Para os Ministros, se a dissolução irregular representa violação de lei, estaria então presente a hipótese do dispositivo.

De acordo com esse dispositivo legal, os administradores devem responder pessoalmente pelos créditos tributários “resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”. O texto não deixa dúvidas de que apenas é possível a responsabilização pessoal nos casos em que o crédito tributário seja resultante de infração de lei ou excesso de poderes. Logo, deve haver relação direta entre o fato gerador do tributo e a violação legal ou societária. Ainda que texto e norma não se confundam, a Súmula 435 acaba por exceder por completo os limites semânticos do artigo 135, inciso III.

Talvez em razão disso, a jurisprudência passou a enfrentar um novo problema: como resolver a situação em há mudança na gestão da empresa entre o momento do fato gerador e da dissolução irregular? Se, segundo o CTN, a imputação de responsabilidade pelo crédito tributário deve decorrer de infração cometida pelo administrador, e, de acordo com a Súmula, a infração estaria caracterizada na dissolução irregular, para quem deve ser redirecionada a cobrança: ao sócio presente quando do fato gerador ou para o sócio que encerrou as atividades de forma irregular?

Como é possível perceber, o problema decorre do racional subjacente à Súmula 435. Se fosse para responsabilizar o sócio atuante apenas na época do fato gerador, não haveria infração que justificasse responsabilidade pessoal (na lógica do STJ, a dissolução irregular). Assim como, se fosse para responsabilizar aquele presente apenas na época da dissolução, não haveria crédito tributário relacionado com a infração de lei. Afinal, parece claro que a dissolução não está relacionada ao fato gerador de nenhum tributo.

Caso houvesse determinação para que os administradores, tanto à época do fato gerador quanto da dissolução irregular, fossem intimados para apresentar comprovações e justificativas, essa situação não ocorreria. Afinal, nesse caso, caberia a esses administradores demonstrar se houve ou não violação de lei ou de contrato/ estatuto social, o que poderia ser feito, por exemplo, mediante reconstrução da apuração contábil, de modo a evidenciar os motivos que levaram ao inadimplemento e, especialmente, para onde foram os recursos da empresa.

Contudo, esse não foi o caminho seguido pelo STJ, que perdeu a oportunidade de rever o assunto ao analisar o Tema 981, em maio de 2022, quando a Corte concluiu que quem pode ser responsabilizado pela dívida tributária nesses casos é o administrador que estava presente na empresa à época da dissolução irregular, independentemente do seu envolvimento quando da ocorrência do fato gerador. Com isso, está clara agora a posição do STJ de que não se trata de gestão tributária com violação de lei, na forma do 135, inciso III, mas sim de uma nova hipótese de responsabilidade tributária, vinculada ao encerramento irregular de atividades.

Essa conclusão está longe de ser irrelevante. Além de instituir uma hipótese nova de responsabilidade tributária sem previsão em lei, essa posição cria, em definitivo, uma hipótese de preferência do crédito tributário ao particular. Afinal, no caso de sociedades empresárias, a responsabilidade dos administradores deveria estar delimitada pelo valor do capital social. Isso, contudo, não é mais verdade. De agora em diante, essa limitação ocorre apenas para créditos cíveis, mas para os tributários a limitação apenas é aplicável caso não haja o encerramento das atividades sem que sejam seguidos os trâmites de liquidação ou falência.

Entendemos ser errada a solução dada ao STJ para o tema. Se uma empresa é encerrada de maneira irregular, deveria haver a intimação de gestores para comprovação de que o crédito tributário não é decorrente de violação de lei ou contrato/ estatuto social. A conclusão do STJ parece ter a finalidade de viabilizar a cobrança do crédito tributário de forma mais eficiente.

Contudo, não se pode admitir a criação de hipóteses não previstas na legislação para suprir deficiências do procedimento de cobrança. Se a matéria é tão importante e urgente, por que o Congresso Nacional não legislou sobre o tema? Ainda precisamos evoluir como sistema para evitar que a adoção de conclusões equivocadas na formação de súmulas resulte na sua aplicação indiscriminada, sem a possibilidade de revisão. É preciso atenção da sociedade para “modificações legislativas” indiretas. Hoje, é atingido apenas aquele que deixou de seguir procedimentos regulares para dissolução da empresa. Sem que sejam apontados os excessos dessa solução simples, mas equivocada, não sabemos quem mais poderá ser prejudicado amanhã.

 

Por Vinícius Vicentin Caccavali e Diogo Olm Ferreira

Fonte: Conjur

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